Quarta-Feira Cinzenta
Eu sou de uma época que internet era coisa de filme de ficção científica, uma época que os namoros começavam com a paquera e essa paquera era tão trabalhosa que só de pensar no trabalho que dava preferíamos ficar com o namorado em vez de trocá-lo em um click.
Hoje os amores são líquidos em uma época de liquidação de relacionamento. Basta algumas visualizadas nos stories, umas curtidas nas publicações, um olá no direct, troca de mensagens no WhatsApp para marcar o encontro do próximo amor da sua vida e, na primeira insatisfação, começa tudo de novo.
Dava trabalho paquerar, tinha que ficar passando em frente a casa do paquera, esperando vê-lo e se ele estivesse no portão, queríamos um buraco para nos esconder.
Existia uma coisa chamada “frio na barriga”, um suspense, um algo a se fazer.
Uma época que a primeira viagem sem os pais era uma excursão da escola para conhecer o Museu do Mar de Santos ou o Zoo de São Paulo, em um ônibus sem ar condicionado e que os bancos tinham duas posições: reto e sem reclinar, a diferença era tão pouco da inclinação que não sabíamos se estávamos com ele inclinado ou não, igual poltrona da classe econômica de avião.
Depois das excursões do Colégio, vinham as da adolescência, também em “maravilhosos” ônibus com cadeiras fixas e janelas abertas para refrescar, além de um alçapão no teto que só servia para molhar o interior do ônibus quando chovia e, mesmo assim, com essa peleja toda, atravessávamos esse Brasil de meu Deus, do Oiapoque ao Chuí, ou pelo menos de Balneário Camboriú a Porto Seguro.
E, foi com uma dessas excursões que fui para em Balneário Camboriú em pleno carnaval de 1993.
O Beto Carreiro era apenas uma fazendinha. A Oktoberfest iria fazer 9 anos naquele ano. A Praia da Joaquina, em Florianópolis, era quase desértica, só tinha pedras e dunas e Camboriú não tinha arranha-céus, mas tinha o Wiskadão e o trenzinho até a ponta da praia, mas era uma aventura, se hospedar em uma casa, cheia de jovens adultos, recém saídos da adolescência, depois de rodar mais de 16 horas em um ônibus fretado.
Mas, como na juventude, cansaço e vista cansada são lendas, mesmo com chuva ir ver o mar é uma diversão, porém, hoje se existe 3 coisas que eu não valorizo mais é olho claro em pessoa feia, piscina em barraco e praia com chuva.
A chuva e o frio eram tantos que precisei comprar roupa de frio, entrei em uma dessas lojas que vendem blusas de tricô e, pasmem, não tinha nada de inverno.
Vou fazer um parênteses.
Moro em uma região que literalmente pega fogo de tanto calor mesmo no inverno, então o verão no Sul do País é uma câmara fria para mim, eu precisava de agasalho e agasalho para inverno rigoroso.
Voltemos.
Por fim, de tanto procurar, encontrei um poncho de tricô. Na loja tinha duas cores uma abóbora mais alaranjada e outra abóbora mais amarelada, escolhi a mais amarelada e o poncho com cara de abóbora foi minha companhia na folia carnavalesa do Balneário, que mais estava para Halloween, eu vestida de abóbora com uma nuvem chuvosa na cabeça igual à casa da Família Adans, mas o povo era bonito, ninguém se parecia com um Frankenstein.
E com tanto moço bonito, eu vestida de abóbora do Halloween tentando concorrer com “las hermanitas” uruguaias, paraguaias e argentinas usando bustiê, micro saia, macro bota, tudo de pelica preta e cabelos a la Perla, só não sei como não tinha frizz com toda aquela chuva, pois o meu parecia o cabinho da abóbora, só faltava ser verde.
Vou fazer um parênteses.
Acho que algumas leitoras não irão saber o que é bustiê. Bustiê é uma peça de roupa que cobre os seios, que teve seu auge com as Frenéticas na novela Dancyn Days, traduzindo: é mãe do top, avó do crop e bisavó do cropped.
Geralmente, o bustiê era de elastano, pois ainda não existia a malha com lycra e, se fosse de lurex e com uma calça jeans de lycra costurada no corpo, a moça era, no mínimo, pop star, mas eu não sou dessa época.
Sou da década de 80, onde a música ainda era boa, mas a moda nem tanto.
Voltemos.
Com toda a chuva que tomei e o frio que passei mesmo com meu poncho abóbora, minha resistência jovial não suportou, e no fim de 3 dias de folia, na hora de voltar para casa no veículo compartilhado, sem ar condicionado e com poltronas sem inclinação, a temperatura do meu corpo resolveu subir, já que a do Sul do país não subia, e vim a viaje toda encolhida com frio, frio de febre.
Tomei um antitérmico e analgésico o que me fez “capotar” de sono até chegar no posto para almoçar. Desci do ônibus completamente atordoada de sono e cansaço do carnaval. Era quarta feira de cinzas.
Diferente do conto de Cinderela, em que a carruagem vira abóbora depois que a festa acaba, eu tinha ficado de abóbora os quatro dias de festa, naquele posto, no meio do nada, foi o primeiro lugar que tirei minha “fantasia”. Estava faminta. À temperatura do meu corpo havia voltado ao normal graças aos remédios.
Vou fazer um parênteses: eu não sei o nome de quem descobriu a dipirona, mas deveria ser canonizado, pois abaixa a febre e tira a dor como se fosse um milagre.
Voltemos.
O ônibus fez sua primeira parada técnica por volta do meio dia em um posto na beira da estrada que servia rodízio na hora do almoço. “Sonada” e com fome, não pensei duas vezes e entrei na churrascaria. Pedi um rodízio completo, daqueles que passam as carnes no espeto. Comi de picanha com alho à costela desmanchando, além das opções que existiam no buffet como batata frita, maionese, arroz… Bem alimentada e sem febre senti que minha alma tinha feito download completo no meu corpo. Enfim: tinha ressuscitado em plena quarta-feira de cinzas, a qual só fui me recordar da data quando uma antipática senhora, fez questão de lembrar depois que todo o grupo havia devorado, no mínimo, uma vaca no rodízio.
Pessoas tóxicas tentem a causar um impacto negativo em nossa saúde mental e emocional, seja pela culpa, pela intriga ou pela crítica. Estão sempre tentando minar nossa autoestima ou nossa felicidade para diminuir nossa energia boa ao mesmo nível da energia ruim dela.
O comentário feito pela antipática senhora, julgando as pessoas que haviam comido carne por esquecimento em uma data que, para os cristãos, não é permitido, não lhe transformou em uma cristã melhor, cumpridora dos preceitos religiosos, mas demonstrou sua infelicidade em ter se lembrado do consagrado dia ante a alegria do grupo que havia esquecido.
O que incomoda o outro não é o seu pecado, mas a sua felicidade. Pense nisso.
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