O forró de Botafogo
Mais uma história de ex, então senta que lá vem história…
Se é uma coisa que todo mundo me pergunta é: “Por que você não casou, Ana Paula?”. Eu nunca entendi o porquê isso incomodava tanto as outras pessoas, afinal quem se encontrava “encalhada” era eu.
Mas o que realmente incomodava as outras pessoas era o fato de eu ter tudo para ter casado e não tê-lo feito, como se elas (principalmente as mulheres) se achassem mais feias que eu ou inferiores a mim, tipo: “se essa deusa não casou, eu também não vou conseguir”, como se casamento fosse um troféu que só os melhores teriam direito de ter.
Todo mundo quer casar, inclusive eu, mas entre ficar sozinha na floresta ou com um lobo correndo atrás, eu prefiro ficar só. É o velho ditado: “antes só, que arrependida.”
Quando uma mulher diz que não quer casar, ela não quer casar com aquele sujeito em questão e não com o príncipe encantado, que é um sujeito perfeito que só existe em contos de fadas antigos.
Era sábado à noite. Festa do Los Karas no Bebedouro Clube. Festa lotada. Região marcando presença. Luketi tocando “oooo Ana Juliaaaaa”.
Eu lembro a minha roupa. Uma saia inteirinha revestida de lantejoulas grandes pretas opacas, uma blusa preta com as costas de fora, uma sandália preta com 14 cm de salto e uma bolsinha preta que mais parecia um bauzinho.
Meus olhos correram o salão. Ele estava ali. Os olhares se encontraram por segundos. Voltei a cabeça para minha amiga, fingindo naturalidade em cima das minhas sandálias que eram quase um pedestal.
Mal troquei duas palavras com minha amiga, percebi que ela erguia as sobrancelhas, tentando mostrar que alguém estava se aproximando de mim pelas minhas costas e, antes dele me cutucar, eu virei e me deparei com ele.
Nossos olhares se encontraram novamente. Ele disse: prazer e seu nome. Eu, simplesmente respondi: “prazer, Ana Paula.” Apertamos as mãos. Sabíamos quem éramos, havíamos estudado no mesmo colégio anos atrás, mas em turmas diferentes, mas, até aquele momento nunca tínhamos sequer trocado um “oi”.
Eu sou uma pessoa prosa, muito prosa, meus textos são o resumo das minhas histórias faladas, por isso não faço vídeos, iria emendar uma história na outra e não teria fim.
Passamos aquela festa toda conversando, como se fôssemos grandes amigos relembrando áureos tempos, parecia que nos conhecíamos de outras vidas.
Minha amiga disse que iria ao banheiro, percebendo que não estava sendo incluída na conversa.
O DJ começou tocar “Segura o Tchan, amarra o Tchan…”, que era o sinal que a festa estava terminando. Disse que precisava encontrar minha amiga para ir embora, estava de carona.
Já fazia horas que ela tinha ido ao banheiro, mas só não me disse que iria no banheiro da casa dela.
Ele viu que iria precisar de uma carona para chegar em casa e se ofereceu para me levar. Aceitei de imediato. Ele foi buscar o carro, enquanto eu esperava na porta do Clube. Entrei no carro. E ele me olhando. Coloquei o cinto. E ele continuava me olhando. Até que ele perguntou onde eu morava. Nesse momento lembrei que apenas sabia quem ele era e que não o conhecia.
Respondi rapidamente: “Sabe onde é a Igreja de Nossa Senhora Aparecida? Eu moro em frente.
Minha casa ficava a 10 minutos do clube de carro, mas foram os 10 minutos mais longos da minha vida. De prosa eu fiquei muda. O CD do carro tocando “RARARARA, mas eu tô rindo a tôa…” do Falamansa. E eu muda. Só olhando de rabo de olho para o moço.
Percorremos toda a avenida do lago e subimos toda a rua da minha casa até chegar em frente dela, mas meio quarteirão antes eu já estava tirando o cinto de segurança e me posicionando para descer do veículo e apontando para a esquina mostrando onde ficava minha casa.
Ele parou em frente ao portãozinho, que é como chamávamos o portão social de casa, eu já fui abrindo a porta do carro para descer e antes que meu pé tocasse o asfalto da rua, ele segurou delicadamente no meu braço. Meu coração disparou, meus olhos arregalaram e, novamente, encontraram os dele.
Ele, com uma voz suave disse: “vc não vai me dar… o número do seu telefone?”
Exatamente isso, amada leitora. Ele não pediu um beijo, mas o número do meu telefone.
Sim, o número do meu telefone. Naquela época quando o moço pedia o número do seu telefone era apenas para encerrar a conversa com uma promessa que um dia iria lhe ligar, mas na realidade nunca ligaria.
Olhei novamente nos olhos dele e, lentamente, disse o número do meu celular, o qual ele disse que iria guardar de cabeça, pois seria um número muito importante e por isso não iria esquecer.
Disse-lhe obrigada, não só pela carona, mas pela companhia.
Desci do carro, peguei a chave, abri o portãozinho, entrei, sem olhar para trás. Queria ficar com a última imagem do olhos dele na minha mente e não um aceno de mão de dentro de um carro indo embora.
Fechei o portão, encostei minhas costas nele e suspirei, ele demorou uns segundos para ligar o carro, como se me esperasse retornar, mas num repente escutei a arrancada do motor do carro enquanto ele ia embora.
Tinha certeza que tudo aquilo terminara ali. E aquele “tudo”, querida leitora, tinham sido apenas alguns olhares e uma boa conversa.
Suspirei, desencostei do portão, peguei a chave da porta da sala, abri a porta, entrei em casa, e fui direto para o meu quarto, coloquei meu pijama, escovei os dentes e deitei na minha cama com a luz apagada, olhando o forro escuro e esperando o sono chegar…
Acordei com o barulho do meu celular, que literalmente não tocava, meu celular gritava: “atende, atende o celular.”
Era quase hora do almoço. O sol já estava quente. O mês era outubro. Eu ainda não sabia se estava dormindo e tivera sonhado ou se aquele celular tocando era um pesadelo.
Resolvi por um fim no pesadelo que gritava no meu ouvido e atendi o celular sem conseguir abrir os olhos que estavam com os cílios grudados por causa do rímel que não havia tirado na noite anterior.
Naquela época não existia identificador de chamada, então se eu não atendesse nunca iria saber quem teria ligado.
Com a voz rouca de quem acabou de acordar disse um alô gultural, aquele que vem da garganta, tipo Ângela Roro e, sem sequer dizer um bom dia, minha amiga, que tinha ido ao banheiro na noite anterior, resolveu ressuscitar do mundo das privadas e pias.
“Como você foi embora?”, foi o que ela me perguntou após quase 8 horas de sumiço. Não que ela estivesse preocupada comigo, só queria saber a fofoca da noite anterior, afinal a noite dela deve ter sido de rainha sentada no trono, enquanto a minha foi de Cinderela, até eu virar abóbora depois que o moço só, digo só, pediu o número do meu telefone sabendo que não iria ligar e foi embora.
Mas resolvi não abastecer o veneno da serpente e num tom irônico respondi que havia vindo para casa andando, dois quilômetros de salto 14 de madrugada, assim não teria que fazer minha caminhada no dia seguinte.
A bonita além de não estar preocupada comigo e de querer saber o buchicho, também desejava saber se eu iria sair com ela à noite, afinal havíamos combinado. Sabe aqueles programas que você aceita e depois não sabe qual desculpa vai dar para não ir. Enfim, era um programa assim.
Respondi que iria sair sim com ela e pensei que o moço que havia guardado meu celular de cabeça nunca iria ligar, ele já tinha até a deixa certa para quando me encontrasse, com certeza ele iria dizer que não havia me ligado pois tinha esquecido o número do meu celular, então entre uma festa chata e ficar em casa pensando na morte da bezerra que eu não tenho, achei melhor ir a tal festa, ademais um dia eu também poderia precisar que ela me acompanhasse em um evento desagradável e como diz o ditado: olho por olho.
Resolvi acabar de acordar. Levantei da cama, acendi a luz, fui ao banheiro, escovei os dentes, penteei as madeixas, coloquei meu peignoir (roupão para os brasileiros), abri a porta do quarto e fui tomar um pseudo café, pois já estava quase na hora do almoço.
Ao passar pela copa, encontrei minha elegante (e agora saudosa) mãe, que perguntou se a festa tinha sido boa, devido ao horário que cheguei e, continuando seu discurso, acrescentou: “eu na sua idade, Ana Paula, já era casada e tinha dois filhos.
Apenas respondi pra minha mãe: “muito obrigada!!!”
Ela sem entender, perguntou o porquê eu estava agradecendo e respondi que por ela ter casado bem, eu não precisava casar pois tinha herdado sobrenome tradicional, fazendas, dinheiro e a beleza dela como brinde.
Virei as costas e voltei para o meu quarto com uma garrafa de coca light e uma caixa de bombom e, enquanto caminhava ia escutando ela reclamar para o meu pai que se fazia de surdo e continuava a ler o jornal.
Era melhor eu ficar no quarto até chegar a hora do evento desagradável noturno que havia prometido ir com minha amiga.
A noite anterior havia começado boa, mas em questão de segundos eu encontrei e perdi meu amor, tinha que ir a uma “festa estanha com gente esquisita”, igual a do Legião Urbana e, ainda, não poderia nem dizer que não estava legal porque eu não tomo birita, só faltava ficar escutando sermão da minha elegante (e agora saudosa) mãe. O dia estava a treva, mas para piorar nada tem limite.
Meu celular tocou, achei que fosse minha amiga novamente e com uma voz que mais parecia um rosno de um cão raivoso eu atendi o aparelho dizendo: EU JÁ FAJEI QUE VOU…”, mas não era minha amiga. Era ele!
Um “oi?!” sem entender nada retrucou do outro lado da linha. Minha covarde alma saiu do corpo como em todas as vezes que faço algo errado, mas a segurei pelo pé e a trouxe de volta e, respondi àquele “oi” com um “olá” como se nada tivesse acontecido.
Ele queria me ver. Realmente meu número de telefone era importante para ele (ou simplesmente a memória dele era boa). Convidou-me para jantar, logo eu aceitei o convite. Não sou de fazer jogos, se eu quero, eu quero, se eu não quero, boto o caboclo pra correr sem dó.
O dia que estava cinza, de repente ficou maravilhoso, os passarinhos voltaram a cantar, as nuvens se dissiparam, o sol estava brilhando… até que eu lembrei que havia prometido ir no evento com minha amiga.
Quando Deus desenha, vem o capeta e rabisca.
Se eu desmarcasse o compromisso com minha amiga seria chato, mas perder o namorado também seria. E se o namoro não for pra frente, eu iria perder a amiga. O que fazer?
Liguei pra minha amiga, perguntei se poderia levar alguém, primeiro ela quis saber quem, mas eu não disse, depois ela respondeu que havia mais um lugar na mesa. Pronto, meus problemas estavam quase todos resolvidos. Querido leitor, logo você entenderá o quase.
Oito horas. Eu já estava pronta, em frente ao portãozinho esperando meu príncipe.
Eu adoro um paetê. Minha elegante (e agora saudosa) mãe falava que eu deveria trabalhar em algum circo quando saia, pois roupa de paetê é para trapezista.
Não saio toda bordada, mas uma camiseta de brilho à noite deixa a roupa menos óbvia.
Ele chegou. Ele também não era fã de paetê, mas não comentou nada. Eu estava com uma calça capri preta, uma blusa de paetês dourada, minha sandália pedestal e uma bolsinha que imitava couro de vaca. Eu estava um arraso, de parar Bangú com “catiguria”.
Ele fez menção em descer do carro para abrir a porta para mim, mas nem precisou, pois eu já fui abrindo, entrando e mostrando a direção que aquele moço, todo “mauricinho”, de calça caqui, camisa jeans com a manga dobrada e sapato engraxado deveria seguir.
Durante o trajeto, toda vez que ele perguntava aonde estávamos indo, eu respondia mostrando a direção: “segue reto, na próxima vire à direita…”, mas não dizia aonde estávamos indo com receio de ele não querer ir, ou de dizer: “pode ir com suas amigas, outro dia saímos…”
Conforme a cidade ia acabando, chegávamos mais próximos à rodovia, e o moço ainda sem entender nada. E eu nem queria imaginar o que estava passando na cabeça dele.
Acho que pensou que iria fazer alguma estripulia em um laranjal, mas percebeu que estávamos sentido Botafogo, um distrito da cidade que moro.
Resolveu perguntar se íamos para Botafogo, disse que sim e continuei com minha versão GPS, falando para virar à esquerda ou à direita, até que disse pode parar aqui, na praça da Igreja de Botafogo.
Ele dentro do carro, olhou-me com cara de espanto e perguntou: “aqui não é o forró de Botafogo????”
Olhei ele de volta com a seguinte pergunta: “como você sabe que aqui é o forró de Botafogo?”
Ele gaguejou e até hoje eu não sei como ele conhecia o forró, eu também nunca tinha ido, mas naquele dia era uma festa do dia dos professores da escola que minha amiga trabalhava e por isso eu tinha que ir e, claro que levei meu futuro, mas que ainda não sabia, namorado.
O namoro terminou muito tempo depois, por outros motivos, e quando me perguntam o porque eu não me casei, eu respondo: “eu AINDA não me casei”, afinal quem sou eu para tirar a esperança das afoitas admiradoras que almejam um dia se casar e não se acham tão perfeitas?
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