O casamento errado

 O casamento errado


E hoje a lembrança que a madrugada me trouxe foi a de um casamento, um casamento errado, então senta que lá vem história…


Já disse que gosto de um paetê, gosto de um detalhe, uma peça, algo que diferencie a roupa do dia do traje que saio à noite.


Havia ganhado uma regata preta e uma calça preta, eram roupas com cortes mais sofisticados, não era para ir na pizzaria de final de domingo, precisava de uma ocasião tão sofisticada quanto à roupa. 


A pessoa que havia me dado o conjunto preto também tinha me convidado para acompanhá-lo em um casamento que iria acontecer próximo àqueles dias. Achei que era a deixa perfeita, igual ao filme “Uma linda mulher”, onde Richard Gere dá o cartão de crédito para Júlia Roberts fazer compras para acompanhá-lo aos eventos com roupas mais apropriadas das que ela usava.


Vou fazer um parênteses.


Muitos acreditam que a roupa não influencia no tratamento. Ledo engano, caro leitor. Somos julgados e julgamos o tempo todo e, quando não conhecemos uma pessoa, nossa primeira definição, vem da roupa que a mesma está usando, depois vem dos modos que esta pessoa possui, mas hoje estamos falando de casamento, quem sabe o próximo texto será de etiqueta e vestimenta?


Voltemos. 


Achei que a roupa, que me fora dada, era uma “indireta” de como ir acompanhar a pessoa, a qual me havia presenteado, no evento matrimonial em questão.


Eu sou muito pontual. Dificilmente alguém me espera, estou sempre pronta na hora marcada e, se por um acaso, vou atrasar, costumo avisar antes. 


Eu estava pronta na hora marcada como sempre, esperando a pessoa, que havia me dado a roupa, no portãozinho de entrada de casa. 


Quando ele chegou, a primeira coisa que me disse foi: “você está muito simples!!!! É um casamento chique!!!”


O casamento era em outra cidade. Eu não conhecia os noivos. Não fazia ideia de como seria o evento. Acreditei que a roupa, que me fora dada pela pessoa a qual me havia convidado, era justamente para ser usada em tal evento, mas eu estava enganada. 


Eu tinha que entrar e me trocar. Se é uma coisa complicada para mulher é o tal do “dress code”, ainda mais se você não tem noção de quem são as pessoas que estão promovendo o evento.


Voltei correndo para o meu quarto. O cabelo e a maquiagem estavam prontos, só precisava trocar a roupa. 


Paetê, naquele tipo de evento, estava fora de cogitação. Eu uso paetê somente para dar um ar mais sofisticado a uma roupa básica, um toque de charme, mas naquele caso eu precisava estar “charmosa” por inteiro e uma roupa toda de paetê iria parecer abre alas de escola de samba pobre, daquelas que as fantasias tem pouco tecido e pouca pluma.


Abri meu guarda roupa e as únicas peças que vieram à mente eu enfiei. Sabia que o moço era ciumento, muito ciumento, mas a roupa era apropriada para o evento. Uma roupa coringa. Um conjunto preto de crepe madame, do avesso, onde o tecido tem uma textura opaca, ficando o lado acetinado para dentro, tecido perfeito para roupas com caimentos mais ajustados ao corpo, mas sem marcar.


A saia era longa e reta, com uma cintura alta que tampava o umbigo. A blusa era mais curta, com os ombros à mostra e as costas ficavam aparente, com tiras cruzando como um espartilho. A roupa perfeita. 


Nos pés um Carmen Steffens preto amarrado na canela. Uma “coleira” de pérolas para dar um ponto de luz naquela roupa toda negra e, “voilà”, eu estava pronta,  parecia que havia deixado a roupa pronta para me trocar, agora só faltava a aprovação do meu ciumento namorado, que, por estar aflito com a demora que minha troca de roupa iria causar, ao ver eu me trocar na velocidade que se trocam pneus em Fórmula 1, nem prestou atenção ao traje.


Entramos no carro. Era um Passat preto da mãe dele. Toda vez que precisava impressionar, era esse carro que usava.


O casamento não era na minha cidade e eu não conhecia os noivos. Meu ciumento namorado, sabia apenas onde era a igreja, na qual seria realizado o casamento, e tinha pegado os convitinhos para entrar na festa, mas o local da festa, ele não fazia ideia. Coisas de homem, que acreditam que o envelopo maior do convite de casamento, onde se tem todos os dados do evento, não são necessários e grandes demais para levar e deixar no carro antes de ser jogado fora depois de usado para algumas anotações.


Por causa da minha mudança de traje, chegamos atrasados, e o casamento já estava saindo da igreja.


Seguimos o cortejo, até o local da festa. Os noivos ainda não haviam chegado. Tinham ido tirar fotos ou algo assim, para somente entrarem quando todos os convidados já estivessem passado pela muvuca da entrada e encontrassem acomodados em suas meses.


Fomos um dos primeiros a chegar no salão onde iria acontecer a festa. Meu amado e ciumento namorado, tirou do bolso do paletó preto do terno os dois convitinhos que eram como uma senha secreta para ingressar no recinto.


Demos os dois convitinhos ao “hostess” do evento, que era um homem que mais parecia um segurança e, que em vez de olhar os convitinhos deve ter ficado olhando meus decote nas costas.


Entramos no recinto. O salão era simples. As mesas redondas com toalhas compridas brancas e um cobre mancha adamascado . Em cima de cada mesa um prato descartável com salgadinhos fritos que já estavam na temperatura ambiente e um vasinho de plástico com uma única rosa e amarrado nele um cartãozinho com o nome dos noivos agradecendo a presença.


Nos acomodamos em uma mesa. Eu sentada, já mastigando um salgafinho, pois estava “verde” de fome e meu amado em pé tirando a gravada ante o calor que fazia no salão. 


Os outros convidados começaram a entrar, não sou muito de reparar a roupa alheia, mas no fatídico dia, foi impossível não notar a vestimenta das convidadas e convidados. 


Era um desfile de vestidos bufantes de cetim nos tons rosa chiclete, amarelo gema e azul celeste que se assemelhavam às vestes das fadas madrinhas da Bela Adormecida. E, eu com um preto básico destoando do resto das convidadas.


Os homens também estavam combinando com o traje de suas esposas, usando ternos que pareciam emprestados, pois a numeração não era compatível com o corpo que estava usando, os mais magros com os ombros do paletó quase no cotovelo e os mais obesos sem conseguir fechar os botões da casaca. A maioria era na cor de vira-lata caramelo com camisas de manga curta e gravatas de poliéster, pareciam pastores religiosos em começo de carreira. 


Eu continuava sentada observando o desfile de moda dos convidados e me sentindo um peixe em uma poça d’água, completamente desconfortável, com minha clássica  e discreta roupa preta iluminada apenas por um colar de pérolas, mordiscando o salgadinho à temperatura ambiente e esperando o garçom trazer um refrigerante para ajudar a empurrar a maçaroca goela abaixo. 


Nessa altura meu amado, além de afrouxar a gravata, já havia tirado o paletó e estava tomando uma cerveja. 


Eu continuava sentada, tentando fingir naturalidade com meu ar principesco, pensando que a roupa que estava antes de me trocar seria mais apropriada para o evento, até que meu amado pediu para eu ler o nome da noiva que estava escrito no cartãozinho amarrado com uma fita de cetim ao enfeite central da mesa onde os noivos agradeciam a presença.


Peguei o papelzinho e li em alto e bom som: “João e Maria agradecem sua presença.” (Observação: alterei os nomes porque não me recordo de como chamavam).


Meu amado namorado olhou-me e disse para parar de fazer graça, pois o nome do noivo, o qual era amigo dele e o tinha convidado, não era João. Olhei de volta para meu amado e sem responder nada lhe entreguei o vasinho com o cartãozinho amarrado para que ele mesmo conferisse e continuei comendo uma mini coxinha massuda e fria e, após isso escutei um: “PAULA, entramos no casamento errado!!!!!”


Vou fazer um parênteses: quando seu namorado lhe chama pelo nome é sinal que a coisa está feia. 


Voltemos.


Meu amado colocou o copo de cerveja na mesa e já foi colocando o paletó e a gravada, enquanto eu pegava minha bolsa e uns salgadinhos para ir comendo até encontrar o casamento que realmente havíamos sido convidados.


Quando estávamos perto da saída do salão de festas, os noivos estavam chegando e me senti igual aos peixes na época da piracema tentando subir o rio para procriar, ou seja remando contra um tsuname de pessoas que queriam, ao mesmo tempo cumprimentar os noivos e entrar no recinto, mas entre esbarrões e pedidos de desculpas conseguimos atravessar o caos e chegar à rua.


Pelo horário, o casamento que havíamos sido convidados já havia acontecido, não sabíamos o local da festa, nem as pessoas que foram convidadas. O jeito era pegar o carro e voltar pra casa. Pelo menos eu havia comido umas coxinhas e estavam com menos fome, pois não daria para entrar em uma pizzaria e comer uma pizza com o traje que estava usando sem chamar atenção.


O carro estava parado próximo à igreja onde seria o casamento e conforme fomos nos aproximando, encontramos alguns conhecidos. Achamos que também estavam atrasados como nós, mas quem tinha atrasado era o padre e o casamento que havíamos sido convidados, ainda não tinha ocorrido. 


Entramos na Igreja. Sentamos em um banco. A marcha nupcial começou a tocar. Todos levantamos e a noiva entrou. 


Acha que a história acaba aqui? Ledo engano, querido leitor, pois nada é tão ruim que não possa piorar. 


Saímos da Igreja e junto com os outros convidados fomos ao salão onde iria acontecer a festa. E, com certeza, seria “a festa”.


O salão ficava perto, cerca de dois quarteirões, dava para ir à pé. A fila para entrar era grande, tinha que apresentar o convitinho, sem ele não adiantava insistir pois não entregava, para evitar os penetras na festa, pois os noivos eram de famílias tradicionais da cidade e muita gente iria tentar participar da festa sem ser convidado. 


Depois da enorme fila, chegou nossa vez de entrar na festa. O porteiro pediu os convitinhos, eu olhei para meu amado, que colocou a mão no bolso do paletó, depois no bolso da calça, olhou na carteira e cada vez que ele tentava encontrar um lugar onde poderia ter colocado os tais convitinhos, seu sorriso de quem ia tomar um uísque bom de graça diminuía. 


O porteiro pediu para ficarmos “de lado” para não atrapalhar a fila, enquanto procurávamos o “raio” dos convitinhos, até que, com uma cara de quem descobriu ouro no quintal de casa, meu amado namorado lembrou que havia entregado os convitinhos na festa de casamento que havíamos, infelizmente, entrado por engano. 


Não tínhamos o que fazer. Chamar os noivos seria, no mínimo, deselegante. O jeito era rumar em direção ao carro e voltar para casa, o problema é que eu continuava com fome, os salgadinhos frios do casamento anterior não haviam suprido a necessidade de comida para sustentar a jiboia que deve habitar no meu estômago.


E como para piorar nunca tem limite, começou a chover. 


Caminhamos apressadamente de volta ao carro entre alguns pingos grossos caindo do céu, até que ao chegar na esquina me deparei com o caminhão do buffet próximo à porta de entrada da cozinha do salão onde estava acontecendo a festa de casamento. Resolvi ir até a porta da cozinha pedir algo para ir comendo no carro até chegar em casa, daria uma desculpa que estava passando mal, que minha glicemia estava baixa, estava com tontura, ou qualquer outra mentira que emocionasse os cozinheiros a me dar algo para sossegar a cobra que habita no meu estômago. 


Meu amado namorado não entendia o porquê eu havia mudado de direção e em vez de ir direto para o carro, decidi virar a esquina e voltar sentido salão de festas. Ele apenas me seguiu reclamando que estava indo sentido errado, que o carro estava no outro lado, que a chuva estava aumentando,… mas continuava a andar atrás de mim, pois precisava permanecer a uma distância que meus ouvidos escutassem suas lamúrias enquanto eu ia rumo ao caminhão do buffet. 


Ao chegar próximo à porta da cozinha a chuva aumentou, que precisamos entrar dentro da mesma, uma senhora que estava ali ajudando na cozinha, perguntou o que queríamos. Respondi que entramos só para não molhar meu cabelo e desmanchar meu penteado. 


Vou fazer um parênteses: toda mulher sente inveja da outra, vivemos nos comparado, comparamos nossas roupas, por isso sempre precisamos de um vestido novo, como se a cada festinha de aniversario de criança fosse um evento comparado ao Oscar, mas se existe algo de solidariedade em nós é em relação ao cabelo, nem Sansão de Dalila conseguiria entender o que é um fio de cabelo para uma mulher.


Voltemos. 


A senhora por ter cabelos crespos entendeu que se caísse uma gota de vapor no meu cabelo, ele iria de espaguete escorrido a macarrão parafuso ao sugo e, num simples arranjo do destino, conseguimos entrar na festa de casamento sem os convitinhos. 


A vida é cheia de altos e baixos, uma hora você entra pela porta da frente na festa errada, na outra você entra pela cozinha mas na festa certa e, parece que por mais que façamos para que as coisas deem certo, nem sempre tudo está sobre nosso controle, as vezes só precisamos relaxar e, como um passe de mágica, passa um caminhão escrito buffet e lhe leva até a porta certa. Se você já tentou de tudo e ainda não deu certo, procure não tentar nada, pois muitas vezes procuramos os óculos que já estão em nossos olhos. 


Bjks

Comentários