Café na minha casa

 Café na minha casa 


Eu sou uma pessoa que adoro a minha companhia, se alguma visita tocar o interfone no prédio o porteiro logo é avisado para dizer que não estou. Se eu tivesse que escolher alguém para levar a uma ilha no meio do oceano, com certeza seria o cadáver de alguém, afinal os mortos só se comunicam com quem tem mediunidade e essa qualidade eu não tenho, mas pelo menos uma vez ao mês eu me obrigo a sociabilizar. 


Vou em algum evento da OAB, onde o assunto é sobre causas jurídicas; ou algum evento do Sindicato Rural, que seguindo a lógica, os assuntos giram em torno de temas agrícolas. Também tem o grupo da hidroginástica, onde jovens senhoras  contam histórias dos netinhos fofos; a turma das excursões, que obviamente falam de viagens, além de outros grupos aleatórios como os dos condomínios do prédio com os dois tradicionais eventos anuais e as assembleias. Porém, quando o mês não tem nenhum evento eu faço um café aqui em casa. 


Cada café tem um grupinho diferente, geralmente seleciono pelo tipo de conversa: solteiras, casadas, carolas, ativistas, esotéricas,… assim o assunto flui de uma forma agradável. 

 

Outra coisa que também evito nos cafés aqui em casa é tirar foto de quem veio, claro que não proíbo, mas prefiro que evitem a propaganda instagramável pois pode deixar outras amigas que não foram convidadas aborrecidas comigo, mas já aproveito para esclarecer, se alguma amiga não foi convidada para meu último evento é porque o assunto não seria do seu interesse, e eu gosto de proporcionar uma tarde agradável a todas minhas convidadas e não horas entediantes.


Um dos últimos cafés, só tinham mulheres solteiras e o assunto não poderia ser outro: relacionamento.


Mulheres bonitas, educadas, divertidas, bem resolvidas, inteligentes, financeiramente estáveis, e por que estavam sozinhas?


Conheço muitas mulheres com bem menos qualidades que possuem um relacionamento, enquanto minhas qualificadas convidadas amargavam anos de solteirice. 


Todas com vidas interessantes, os assuntos iam desde negócios, como haviam comprado a casa ou o carro, passava por viagens, experiências gastronômicas (leia receitas culinárias), questões emocionais tratadas, até terminar no assunto delicado: homens.


O tema evitado surgiu quando despretensiosamente um nome masculino foi dito na mesa. 


Não estávamos falando sobre ele. Estávamos fazendo “fofoca velha” que é como eu carinhosamente chamo quando a nostalgia vem visitar nossa conversa e passamos a falar: “lembra do fulano, que namorou a sicrana, filho do beltrano, que morava na rua tal?” Muitas vezes nem falamos nada sobre o fulano, apenas fazemos a qualificação dele: onde morava, filho de quem, etc… mas nesse dia quando o tal nome surgiu na mesa, além da qualificação residencial e genética, também veio alguns predicados negativos do sujeito.


Foi quase instantâneo e unânime associar o nome do sujeito à qualidade de “folgado metido”.


Após a “desqualificação” do sujeito, uma das convidadas disse automaticamente à outra a frase mais dita por todas as mulheres: “não te falei!!!!”.


O silêncio da curiosidade pairou por alguns segundos sendo quebrado quando a convidada que fora advertida pelo “não te falei!!!”, respondeu que só havia sido educada respondendo ao sujeito alguns bons dias no line.


E encerramos o assunto aí.


Depois que minhas convidadas foram embora, meus pensamentos começaram a fazer uma resenha das conversas que havíamos tido, em especial sobre o “folgado metido”.


Bem verdade que todas as minhas convidadas possuíam qualidades invejáveis e desejais por qualquer homem, mas também deveriam ter defeitos os quais, esses mesmos homens deviam comentar quando sentam à tarde nos botecos da cidade.


São as metidas, complicadas, interesseiras, chatas, promíscuas, sistemáticas, loucas, entre alguns dos adjetivos usados para definir a escolha da mulher parceira, ou seja, com certeza eles também nos julgam, não só pelas qualidades, mas também pelos defeitos. 


Mas o que não parava de ruminar na minha cabeça era que o sujeito apesar de ser um “folgado metido” também tinha outras qualidades: era de boa família, educado, formado, não era frequentador de botequim, limpo, apresentável, sociável, não tinha histórico de violência,… ou seja, possuía muito mais qualidades que defeitos.


Querido leitor, você deve estar se perguntando se eu estaria afim do “folgado metido”, mas apesar dessas qualidades ele não faz o meu tipo, mas pelo visto fazia o tipo da minha convidada, pois ela havia perdido alguns segundos de vida para lhe responder educadamente alguns bons dias.


Muitas vezes mulheres incríveis estão sozinhas por se acharem incríveis demais, ou por escutarem pessoas incríveis “de menos”.


Fiquei pensando o porquê ela não deveria dar uma chance ao “folgado metido”? Ela estava solteira. Ele não era tão ruim. Ela sabia o defeito dele era só colocar limites. Limites: esse é o problema.


Desaprendemos a colocar limites. Hoje em dia, temos a tendência de normalizar tudo. 


Se o defeito do cara é ser folgado basta não deixar “folgar”, mas em vez disso, acreditamos que se formos boas a recíproca será verdadeira e assim, iremos “consertar” todos os defeitos, não só do fulano, mas de toda humanidade. 


Essa mentalidade tem levado, principalmente as mulheres, a se tornarem super heroínas, mas toda heroína tem batalhas que deixam feridas e sequelas que necessitam de repouso e tratamento.


Mas se invés de tentar mudar as pessoas e o mundo através do nosso exemplo de perfeição e uma tolerância ilimitada, apenas colocássemos limites. Vamos usar o exemplo do “folgado metido” de “bode expiatório”: se o cara quer encostar, basta não levar pra sua casa; se ele gosta de lugares caros, não pague a parte dele; se ele não for lhe buscar, diga para ele ir de Uber em vez de ser a motorista da vez… estabeleça regras antes dele pedir o favor. É mais fácil dizer o que se quer a dizer o que não se quer. 


E, se o sujeito “folgado metido” for somente mais um interesseiro, ele vai entender que está tentando dar o golpe na vítima errada, e irá “cair fora”, mas se a intenção for verdadeira, os limites ajudarão a dar a segurança necessária para um futuro relacionamento sério, porém só tentando é que irá descobrir, pois quando não tentamos já sabemos a resposta e minha convidada continuará sozinha imaginando o homem perfeito que só existe em seus sonhos.


Até o próximo texto.

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