Velório tia Cecília 2


Velório da tia Cecília, continuação.

Eu já contei que não quero ver minhas flores (tias) sem vida, mas quando tia Cecília faleceu minha mãe estava arrasada. Tia Cecília tinha quebrado a perna quando estava com ela.

Antes de sair para o velório, meu pai pediu para eu amparar minha mãe. 

Minha irmã também estava bem abalada, tia Cecília era como uma segunda mãe pra minha irmã, foi quem a olhou de pequena, enquanto minha mãe lecionava. Foi sua companheira de baile e vela de seus namoros. 

Não tinha pra quem passar o encargo, tinha que ser eu. Mas só com o meu comentário sobre a luvinha que minha falecida tia estava usando, como já contei, minha mãe recuperou-se da profunda dor e me mandou com toda sutileza para fora do velório, assim eu não tive que ver minha flor que lia sorte sem vida, exceto suas mãos com luvas.

Já escolhi a última vestimenta de alguns parentes, não que eu goste de ser personal stylist post mortem, mas nessas horas acho que toda ajuda é bem vinda, então procuro fazer minha parte.

Escolho a roupa, vou na funerária, procuro a carta de túmulo, vou ver se o túmulo está limpo e aberto... Enfim, sou tipo uma cerimonialista de velório de pessoas próximas, bem próximas (antes quem fazia isso era tio Bertrando).

Mas não foi eu que escolhi a última veste da tia Cecília. Só fiquei sabendo quando já estava no velório e por ironia do destino, eu estava no consultório do médico que operou a perna dela, passando por uma consulta.

O doutor havia acabado de passar o boletim médico da cirurgia da fratura dela, dizendo que a cicatrização estava ótima, que logo ela teria alta. Infelizmente, foi eu que tive que dar a notícia que ela tinha morrido, não por causa da fratura, mas por causa da idade, água no pulmão, fumante....
A ele só restou me dar os sentimentos. Óbvio.

Voltando ao velório.

Fui sentar na praça em frente ao prédio onde ocorria o evento fúnebre.

A empregada de muitos anos de tia Cecília, a Alzira, sentou-se ao meu lado.

As pessoas chegavam, davam os pêsames. Perguntavam como tinha sido... E iam pra outro parente.

Alzira resolveu ir embora. Ela morava com minha tia. Agora estava sozinha na casa. Pegou uma carona e foi. Não esperou o enterro.

Vou fazer um parenteses: hoje Alzira tem a casinha dela, mas toda vez que passa em frente a casa da minha tia ela faz o Sinal da Cruz e as vezes até parece que reza. 

Voltando.

Continuei ali no banco em frente ao velório recebendo os sentimentos de um e de outro.

Até que um funcionário da funerária cutucou o meu ombro e perguntou: " você é parente da falecida?"

Respondi que sim.

Ele continuou: "Não trouxeram os documentos dela para fazer o atestado de óbito."

Perguntei se podia levar no dia seguinte.

Ele respondeu que sim, mas bem cedo.

Achei que fosse só esse o problema, mas tinha outro e ele continuou: "Sabe, não encontramos a carta de túmulo onde será sepultado o corpo, sem esse papel não podemos sepultar."

Carta de túmulo é tipo uma "matrícula" da sepultura, esse documento que prova quem é o dono daquela morada eterna, senão os "sem túmulo" irião invadir as tumbas alheias, ainda mais nessa época de covid-19, MST iria passar de "Movimento sem Terra" para "Movimento sem Túmulo".

Falei para o funcionário da funerária que eu tinha certeza que a carta de túmulo estava na empresa na qual ele trabalhava, pois a última a manusear tal documento tinha sido justamente eu para fazer a placa com o nome dos falecidos que estavam dentro da capela da família.

O funcionário da funerária insistiu que não estava com eles o referido documento.

Perguntei se poderei resolver isso no dia seguinte, quando fosse levar os documentos da minha tia para fazer o atestado de óbito.

O homem me olhou meio desconfiado, mas se tivesse sido a funerária que tivesse perdido o documento era melhor aceitar a proposta e deixar eu levar todos os documentos no dia seguinte, inclusive a tal carta de túmulo.

Acrescentei que o levaria até a capela da família no cemitério para mostrar onde seria a morada eterna da minha tia e assim ele poderia constatar que o sobrenome no túmulo era o mesmo da falecida, e que eu não estava tentando furtar nenhuma tumba.

Levantei e fui na companhia do agente funerário em direção ao cemitério que fica bem ao lado do velório.

Atravessei a praça, depois a rua, passei pelo portão lateral do cemitério, eu e aquele senhor de uniforme preto sem dizer uma palavra. 

Andando pelos túmulos, antes de chegar ao local que minha tia deveria ser enterrada, lembrei que o túmulo da família era uma capela e que eu não tinha a chave para abrir a bendita porta.

Olhei no relógio. Já era mais de três horas da tarde. O enterro seria às cinco. Então se a capela estivesse trancada eu teria apenas duas horas para atravessar o cemitério de volta, atravessar a praça do velório, pegar meu carro, ir até um chaveiro, pegar o chaveiro, trazer ele até o cemitério, atravessar de novo o cemitério, para abrir a porta da capela... Ainda teria que passar em casa e pegar um espanador de pó para tirar pó das Santas que deveriam estar empoeiradas dentro da capela... Para só depois de tudo isso enterrar minha tia.

Mesmo que eu achasse um chaveiro de bom coração em menos de duas horas eu não iria conseguir abrir a porta da capela para encerrar o evento fúnebre em tempo.

Comecei pensar em como sair daquela enrascada. Eu e minha síndrome de papel higiênico: se eu não estou no rolo, eu estou na merda (desculpa o vocábulo, mas foi justamente o que pensei no dia).

Pensei em apenas indicar o túmulo, dar meia volta e ir embora, mas o funcionário fúnebre iria me perguntar da chave com certeza. O que eu iria responder?

Pensei em enterrar ela em um túmulo com outra irmã, se a capela estivesse trancada. Mas com qual? O túmulo da tia Odete deve estar lotado, pelo tanto de plaquinha com foto que tem em cima do jazigo. No da tia Cida ou da tia Beatriz, eram túmulos das famílias dos maridos e, eu não podia abrir o jazigo dos outros sem permissão. Podia colocar minha tia materna no túmulo da família do meu pai, mas não tinha nenhuma irmã dela nesse túmulo e acho que ela não iria gostar de ficar ali sem ninguém da família.

Só sei que no relento eu não podia deixar minha tia.

Chegamos em frente a capela do nono Massimiliano Zaccarelli, graças a Deus a porta estava aberta e a capela estava limpa.

No outro dia, bem cedo, fui na funerária levar os documentos da minha tia para fazer o atestado de óbito e ajudar a procurar a carta de túmulo.

Quando cheguei na funerária, pedi a carta de túmulo em nome de Fabiano Zaccarelli. Eh, a carta está no nome do meu avô, e não no nome do meu bisavô. Quando fizeram a capela meu bisavô já tinha morrido e morto não compra terreno, nem em cemitério. 

Então, se for enterrar alguém na capela da família lembrem, por favor, que a aludida carta está no nome do vô e não do nono. Ok.

Bjs.

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