O vestido verde

PEDRO E O LOBO e OS 3 MACHADOS

Minha mãe não foi muito de contar contos de fada para mim. Eu sou temporona, nasci em uma casa de adultos, então as conversas eram outras.

Minha avó Marianna, mãe do meu pai, lia o Jornal pra mim, nomes como Maluf, Figueiredo, Delfin Neto,... faziam mais parte da minha infância do que Branca de Neve, Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho...

Meu pai sempre gostou de filme, então, nos intervalos, ele me situava em que época se passava o filme, como por exemplo "E o vento levou.." se passou durante a Guerra Civil Americana, além dos inúmeros filmes de guerra.

Eu também tinha uma vitrola vermelha (que na verdade era da minha irmã), onde eu escutava um disquinho colorido, um mini LP, que de um lado tinha a estória de "Pedro e o Lobo' e de outro "Os Três Machados".

Essas duas estorinhas são verdadeiras aulas de moral e ética. 

Pedro era um menino que foi tomar conta do rebanho para o seu pai, e devia chamar o mesmo somente quando o lobo aparecesse, mas Pedro chamou o pai duas vezes sem o lobo ter aparecido, na terceira vez que Pedro chamou o pai, o pai não foi e o lobo estava de verdade lá. A moral da estória é que não devemos mentir, pois quando falarmos a verdade não iremos ter credibilidade.

A segunda estorinha "Os Três Machados" conta sobre um lenhador honesto que deixou seu machado cair no rio. O gênio do rio apareceu primeiro com um machado de ouro, o lenhador honesto disse que não era o dele; depois o gênio apareceu com um machado de prata, e o lenhador honesto também disse que não era o dele; por último o gênio apareceu com um machado velho e o lenhador honesto disse que era o dele e, por sua honestidade, o gênio lhe deu os outros dois. O lenhador contou a estória na aldeia, e outro lenhador resolveu tirar proveito, chegou perto do rio e jogou seu machado, o gênio apareceu com um machado de ouro e esse lenhador disse que era o dele, o gênio, então, não lhe deu o machado de ouro, nem o de prata, nem o dele e ele ficou sem nenhum. Conclusão da estória: a desonestidade não compensa.

Além desse disquinho, em casa tinham muitos livros. Eu trocava qualquer brinquedo por um livro, sempre gostei de ler, mas nunca gostei de conto de fadas, exceto um: "As Doze Princesas", que enganavam o rei, os guardas e passavam a noite dançando, gastando os sapatos, até que um guarda descobriu e se casou com a princesa mais velha. Elas eram espertas, não eram aquelas princesas tontas que ficavam esperando um beijo para viverem feliz para sempre, elas viviam felizes sem príncipe nenhum.

Vou fazer um parenteses: no dia dos namorados, se vc estiver sem ninguém, compre um presente pra vc, pelo menos não vai correr o risco de ainda estar pagando o presente e o namoro já ter acabado.

Voltemos.

Mas a história que eu mais gostava, era a da mala da Tia Odette. Eu viajava ao som das vozes das minhas tias contando... Sentáva-me à mesa da cozinha da minha avó, debruçava-me sobre a mesma, e sabia quais eram as falas mágicas para tia Odette e tia Cecília contarem a história.

Tia Odette era minha tia mais chique, sempre de cabelo penteado, unhas feitas, sapato de salto... Suas comidas davam até dó de comer. Ela enfeitava a maionese com rosas feitas de casca de tomate e o peru era uma obra de arte, forrava galhos secos com papel alumínio e colocava fios de ovos imitando árvores, além do colorido das frutas como cereja, figo, pêssego e abacaxi.

Era tia Odette sentar na cozinha e eu já puxava assunto: "tia, é verdade que um primo do Carlos Gomes fez a corte pra senhora?"

E ela começava a contar de quando tinha morado em Campinas, na casa da tia Ester, irmã do meu avô para estudar.

Até chegar as férias, que era quando vinha para Bebedouro passar na Fazenda Recreio.

E aí começa a saga da mala da tia Odette.

Tia Odette arrumou a mala com todas as suas melhores roupas, queria impressionar as irmãs. Colocou os vestidos combinado com os sapatos, com as bolsas,... Tudo dentro de uma mala de couro com dois fechos na frente e uma alça.

Foi para estação ferroviária. Pegou o trem para Bebedouro. Meu avô Fabiano já estava a sua espera aqui na estação em sua camionete para levá-la à Fazenda Recreio. A sua "Dete" tinha vindo passar as férias na Recreio. 

Depois do caloroso abraço de boas vindas, meu avô pegou a mala da tia Odette e colocou na caçamba da camionete enquanto ela entrava na frente do utilitário, e seguiram rumo a Recreio.

Ela não via a hora de chegar na Recreio, tinha tanta coisa para contar para as irmãs. Inclusive do primo do Carlos Gomes. Sem contar os vestidos novos que iria mostrar: um mais lindo que o outro.

Mal chegou já se reuniram para colocar a prosa em dia. 

Tia Cecília estava se arrumando, não iria passar as férias em Bebedouro, iria para a casa dos primos em Cafelândia, no dia seguinte, de manhã.

Passou pela sala e viu a mala da tia Odette.

No dia seguinte, logo depois que tia Cecília foi pegar o trem para Cafelândia, tia Odette foi procurar sua mala, recheada com os vestidos combinando com os acessórios e, cadê?

Tia Cecília tinha levado a mala toda para Cafelândia.

Toda vez que lembro dessa história eu vejo tia Odette contando na minha frente, ela colocava o dedo em riste e depois dobrava a ponta do dedo e dizia: "a Cecília levou minha mala com o vestido verde e o sapato verde." Eu não sei a cor das outras roupas, mas o vestido verde que combinava com o sapato verde devia ser inesquecível.

E tia Odette não estreiou seus vestidos para as irmãs na Fazenda Recreio, tia Cecília que o fez com os primos de Cafelândia.

Depois de um mês, tia Cecília voltou de Cafelândia com a mala da tia Odette. Além de tia Odette não ter usado seus vestidos eles estavam todos esgarçados, pois tia Cecília era mais gorda que a tia Odette.

Nessa altura da história, tia Cecília sempre falava: "Vá, vá Dete, te fiz um favor, você comeu tanto abacate na Fazenda Recreio que engordou e eu trouxe suas roupas laceadas senão não iriam servir."

E tia Odette respondia: "bom, bom, Cecília."

E eu tinha vontade de pedir para eles contarem de novo, mas hoje quem está contando sou eu.

Não se sabe quantas ovelhas Pedro tinha, qual a marca do machado do lenhador, as cores dos sapatos das princesas, nem o modelo do vestido verde que combinava com o sapato da minha tia Odette, esses objetos “chegaram” até nós pelas histórias contadas sobre eles, por isso o que se vive é muito mais importante do que o que se tem e somente assim nossa vida será eternizada na memória alheia. Pense nisso.





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