Tio Conrado

TIO CONRADO

Para cada 10 histórias da família da minha mãe eu tenho uma da família do meu pai. A família do meu pai é uma lição de vida e a da minha mãe é a própria vida.

Meu pai teve três irmãos. Tia Elzy que era gêmea de Maria José, que nasceu ou morreu ao nascer e tio Conrado que morreu de acidente de carro antes de eu nascer.

Hoje é dia dos namorados e vou contar a história de um dos namoros mais longos que já ouvi falar. É um desses namoros que não tiveram um final feliz, mais um "Romeu e Julieta" da vida real.

Meu tio Conrado nasceu dia 11/06/1927, um dia antes do dia dos namorados. Os quatro filhos da minha avó eram do signo de gêmeos, meu pai nasceu dia 27 de maio e as gêmeas no dia 20 de maio.

Eu não conheci tio Conrado, ele morreu anos antes de eu nascer e dizer que meu avô veio a falecer de câncer em virtude de sua morte 

Diferente do meu pai, tio Conrado era um homem urbano, morava em São Paulo, com hábitos mais refinados, elegante, seu sorriso era comparado a um colar de pérolas de tão perfeito,gostava de tomar suco de tomate e trabalhava nos laboratórios Lilly, aquele que faz até hoje o Merthiolate, enfim, um dos melhores partidos que uma moça poderia querer para casar: bonito, inteligente, de boa família, saudável, independente, com bom emprego, educado, refinado... e minha avó Marianna sabia a preciosidade que tinha nas mãos e não iria deixar qualquer fulana casar com o filho que tão bem criara.

Para minha avó Marianna ninguém estava a altura de seus filhos e com razão, mesmo minha mãe passou mais bocados na mão dela, nem no noivado dos meus pais ela foi. Essa era dona Marianna, uma sogra que não enchia a cabeça do filho pelas costas da nora, ela sempre mostrou quem era, agradasse ou não. E pessoas sinceras não são tão simpáticas quanto as falsas.

Com o tempo minha avó foi simpatizando com minha mãe. Se me perguntarem o porquê minha avó não queria de início minha mãe, eu não sei dizer, mas nem a princesa mais linda do reino mais rico estava a altura de seus filhos. Deve ser amor de mãe. Acredito eu.

Com tio Conrado e com tia Elzy também não foi diferente. Ninguém estava a altura dos dois. 

E minha avó devia ter razão. Minha tia Elzy já estava velhinha, na casa dos 80 anos, sentada na cadeira de rodas, quando um ex pretendente a viu e, na frente da esposa, se declarou. Disse que teria sido o homem mais feliz se tivesse casado com ela, mesmo ela estando idosa em uma cadeira de rodas. Pra ver como mesmo depois de tanto tempo ela ainda era um "bom partido"

Algumas horas antes dela falecer, fui no hospital visitá-la. Conversei bastante, achei até que ela fosse ter alta de tão disposta que estava, contou como conheceu meu tio Nelson, do baile de carnaval em Poços de Caldas.. e no final me deu um conselho: "Paulinha, não é beleza que constrói um relacionamento, é simpatia." Foi a última vez que conversei com tia Elzy. Realmente tia Elzy era a simpatia em pessoa.

Tio Conrado só teve uma namorada a vida toda. Se apaixonou uma vez e pronto. Tinha apenas 12 anos quando conheceu Maria Carolina e foi amor a primeira vista.

Era uma época de segregação, de preconceito. De pouco conhecimento. Todo preconceito vem da falta de conhecimento. 

Até nos dias de hoje, não sabemos se essa Covid mata ou se os números são manipulados pelo governo, mas eu não vou arriscar minha saúde pra saber, tenho medo de precisar ir ao hospital e pegar o novo vírus. Evito apertar a mão de pessoas sem sintomas, afinal existem infectados assintomáticos. E por aí vai..

Maria Carolina tinha duas irmãs doentes, eu não sei de que, mas sei que era genético, e minha avó tinha muito medo que os netos puxassem. Naquela época a medicina não era evoluída como é hoje. Minha avó tinha perdido uma filha ao nascer, sabia a dor, não queria que o filho passasse o mesmo.

Além disso, Maria Carolina era uma mulher a frente de seu tempo, funcionária pública, foi morar e trabalhar em São Paulo, isso para os moldes da época era uma contravenção. As moças ou eram donas de casa ou professoras e ponto.
Tudo que é novo assusta. E por isso minha avó não fazia gosto nesse casamento.

Eu aprendi uma coisa muito nova, não existe certo ou errado na vida, existe consequências. Maria Carolina quis ser independente e pagou com o amor da sua vida. Foi sua escolha. Muitas mulheres focam no trabalho acreditando que a medicina fará com que elas sejam mães aos 80 anos, e quando descobrem que não poderiam ser mães, a culpa não é de ninguém, mas sim a consequência de uma escolha.

Uma mulher independente, até hoje assusta, imagina naquela época, mas minha avó, aos poucos foi aceitando a realidade, ela era também uma mulher a frente de seu tempo. Sua mãe, minha bisavó, ficou viúva cedo e teve que criar dois filhos sozinha. 

E, finalmente, minha avó aceitou o casamento de tio Conrado com Maria Carolina.

Era maio, dia das mães. Meu tio estava radiante. Iria completar 40 anos em junho. Queria levar o pai na cidade mineira que ele nasceu e nunca mais voltou (meu avô é mineiro de Salinas), mas minha tia Elzy se ofereceu para levar. Ele aceitou.

Voltou pra São Paulo, foi trabalhar nos Laboratórios Lilly, como de costume, não iria mais tirar férias, não teria que levar os pais para Minas. Acabou seu turno. Entrou no Fusca. Desceu a avenida Santo Amaro. Uma viatura da polícia bateu no Fusca, a porta abriu e tio Conrado caiu fora do carro.
Uma semana de UTI. Os médicos acreditavam que a fratura era em um lugar na cabeça, onde o crânio havia batido na guia da sarjeta, mas não, na necrópsia viu que tinha sido onde ele bateu a cabeça na porta do veículo, que devido a força da pancada chegou a amassar.

Tio Conrado e Maria Carolina, foram mais de 25 anos de namoro e um final triste. Maria Carolina nunca se casou. Eu cheguei a conhecê-la.

Foram 25 anos felizes, pois não é um papel assinado em um cartório que garante um casamento, mas algo maior, algo inexplicável, algo chamado amor.

Um feliz dia dos namorados pra quem tem e um feliz dia dos namorados pra quem não tem também.

Bjs

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