Quando minha mãe desconfiou que meu pai tinha outra.
Era 05 de setembro de 2019, por volta das 22:30 o telefone fixo da minha casa tocou. Eu tinha acabado de deitar. O Homero estava escovando os dentes.
Estávamos esperançosos, meu pai tinha aguentado mais de uma hora de hemodiálise, isso era um bom sinal. Homero até tomou uma cerveja para comemorar.
O telefonema era da UTI do Hospital onde meu pai estava internado. Perguntaram o que eu era dele. Respondi filha. Perguntaram se poderia ir até o hospital. Claro que disse sim.
Desliguei. Liguei para o Agoncillo. Ele atendeu na hora. Perguntei se ele sabia de algo e ele me respondeu com outra pergunta: se eu queria lhe dizer algo.
A única coisa que tinha a dizer era que tinham ligado da UTI. Mais nada.
Descemos para o hospital. Eu e o Homero chegamos juntos com o Agoncillo, a Regina e o Agoncillinho.
Entramos. Perguntei na portaria se tinham ligado para mais alguém além de mim. O recepcionista falou que apenas conversou com uma tal de Ana Paula, que sou eu e não tinha conseguido falar nos outros telefones.
Meu número de telefone era o último da lista. Não sei o porquê era o último, mas como diz o ditado: "os últimos serão os primeiros." E foi só o meu telefone que funcionou naquela noite.
Queria saber se tinham ligado para mais alguém. Se tinham ligado para a Sônia. A Sônia estava sozinha com a minha mãe, não sei como iria fazer. Mas não, o recepcionista só ligou para mim.
Esperamos a UTI liberar para saber o que tinha acontecido com meu pai. A hemodiálise podia não ter dado certo. Podia ter que fazer outro procedimento...
Liberaram a entrada. Já conhecíamos o caminho, há 15 dias fazíamos aquele trajeto três vezes ao dia. Na porta da UTI Dr. Edgar já esperava com a notícia: "ele descansou."
Não precisava dizer mais nada. Fiquei em paz. Meu pai se foi na mão de um amigo, não estava sozinho. Ele gostava do Dr. Edgar. E Dr. Edgar gostava dele, pois toda vez que ia me consultar ele sempre perguntava do meu pai.
"Ele descansou." Realmente, ele descansou. Ele trabalhou a vida toda. Lutou. Lutou pra viver, lutou pra segurar o patrimônio, lutou pra ser um bom marido, lutou pra ser um bom pai... Ele merecia descansar.
Fizemos o trajeto de volta. Em silêncio. Demos a notícia para o Homero, para a Regina e para o Agoncillinho que estavam no recepção do hospital.
Agora vinha a parte difícil: contar pra minha mãe.
Fomos pra casa da minha mãe. A Sônia estava com ela. Paramos os carros na frente do portãozinho. Eu tenho a chave do portãozinho. Antes de abrir o Agoncillo perguntou: "como vamos falar pra mamãe?"
Pensei comigo: acho que ele quer fazer um jogral: "mamãe querida, mamãe amada, o padre abençoou e meu pai desencarnou." Achei melhor não fazer a irônica. Estava triste. Respondi que iria dar a notícia do jeito que sabia dar, dizendo: "mãe, meu pai morreu".
Abri o portão.
Entramos em fila indiana. Eu, Homero, Agoncillo, Regina e Agoncillinho. Atravessamos a varanda. Minha mãe estava sentada na sala de jantar. Abri a porta. Quando viu eu entrar aquela hora, primeiro, achou que eu tivesse brigado com o Homero, mas quando viu o Homero atrás de mim, entendeu que quem perdeu o marido foi ela, não eu e eu não precisei falar nada.
Agoncillo ficou conversando com ela. Eu e o Homero fomos para a funerária, mas antes dei um copo de água com açúcar pra ela. Se água com açúcar acalmasse alguém diabético não tinha depressão.
Devia ser por volta de meia noite quando saímos da funerária. Tudo resolvido. Marquei para começar o velório as 6 da manhã. Quem quisesse ficar com ele durante a madrugada podia ir na funerária.
Vou fazer um parenteses: fisicamente eu puxei minha mãe, mas meu gênio e da minha avó Marianna, mãe do meu pai. Quando minha avó perdeu a mãe, ainda não existia o prédio do velório em Bebedouro, as pessoas eram veladas em casa. Minha avó chamou a funerária, arrumaram o corpo e, como era de noite, ela pediu pra fechar o caixão. Deixou o caixão fechado na sala com minha bisavó morta dentro e foi pro quarto dormir e, só no dia seguinte foi o velório. Meu pai até quis passar a noite lá, com elas, minha avó não quis, disse que ele podia ir embora que a mãe dela não iria a lugar nenhum enquanto ela estivesse dormindo.
Meu pai também não iria sair da funerária.
No dia seguinte o Homero foi o primeiro a chegar no velório para esperar meu pai. Ele saiu de casa não eram nem 5:30 da manhã. Quando eu cheguei meu pai já estava lá.
Minha irmã fez um comentário olhando meu pai no caixão: 'Paula, meu pai parece que está sorrindo." Sim, ele estava sorrindo. Tinha cumprido a missão. Estava indo em paz.
Minha mãe interrompeu o silêncio e perguntou: "Paula, você mandou fazer alguma coroa de flor para o seu pai?"
Eu sou "pão dura", mas não iria deixar de mandar fazer as coroas de flor para o meu pai, as coroas ainda não tinham chegado pois as floriculturas só abrem as 8 da manhã e ainda não eram nem 7 horas.
De cinco em cinco minutos minha mãe tornava a perguntar sobre as coroas. Ela estava inconformada. Estava preocupada de chegar alguém e ver aquele velório chinfrim, sem flores.
Até que entrou uma senhora. Uma senhora bem vestida. Parou no pé do caixão e ficou olhando meu pai. Não deu os pêsames pra ninguém. E não tirava os olhos do meu pai. Fez o sinal da Cruz, parecia que estava rezando.
Eu nunca tinha visto aquela senhora antes.
Minha mãe começou ficar incomodada. Levantou da cadeira que estava sentada ao lado do meu pai e nada da mulher dar os sentimentos.
Minha irmã e minha sobrinha que estavam consolando minha mãe e me enchendo por causa das flores, também levantaram em posição de "leão de chácara."
Minha ficha caiu. Elas achavam que aquela senhora bem vestida devia ser alguma ex do meu pai. Eu tinha que tirar meu pai dali. Minha mãe só não iria matar ele, porque ele já estava morto.
Quando você mais precisa do agente funerário para enterrar seu ente querido, você não encontra nenhum.
A mulher fez um gesto com a cabeça para minha mãe e saiu. Claro que saímos atrás. Ela tinha entrado no velório errado. Quando chegou na porta da outra sala o povo já foi abraçando ela e chorando.
Voltei pra sala. Meu pai ainda estava com a expressão de sorriso. Minha mãe o amava, mesmo morto sentia ciúmes dele. O amor deles não foi até que a morte os separe, pois nem a morte conseguiu acabar com esse amor.
Bjs.
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