Dione Roberto

DIONE ROBERTO

Já contei que eu nasci por causa de um erro médico, meu pai teve caxumba, a caxumba desceu, o médico falou que ele não teria mais filhos, que tinha "fechado a fabrica", então, meu pai pegou minha mãe, uma quarentona enxuta e foram fazer uma segunda lua de mel e me trouxeram na barriga.

Medicina não é ciência exata. Glicose pode salvar quem está em coma alcoólico e matar quem tem diabetes. 

Sou da época que enxoval de bebê ainda era em amarelo e verde água, tipo bandeira do Brasil desbotada, pois ainda não existia ultrassom para saber o sexo antes do nascimento, pelo menos em Bebedouro não existia.

Mas o meu enxoval fugiu da regra, era todo azul. Meus pais tinham certeza que eu seria um menino. Tanta certeza que já até tinham escolhido meu nome: José de Deus Senna Caldeira Filho, isso mesmo, o nome do meu pai. Zelito é apelido. Eu iria chamar José de Deus.

Mas eu nasci mulher. Amém.

E aí começou o problema. Ninguém esperava uma menina e por isso não sabiam que nome colocar. 

Em casa eles seguem a tradição de repetir nome de família. Meu irmão mais velho é Synval Neto o nome do meu avô paterno, meu irmão do meio é Agoncillo, nome do meu tio avô, e minha irmã é Sônia Maria, porque todas as mulheres tinham que ter Maria no nome.

Mas a decepção foi tamanha de não vir o José de Deus, que nem o Maria eles lembraram de colocar no meu registro. Amém de novo (nada contra as "Marias" é que acho meu nome lindo, se eu não gostasse teria mudado).

Começaram a escolher o nome como de costume, pelo nome das avós: a mãe do meu pai chama Marianna, mas ela não quis que colocasse seu nome em mim, achava feio o nome dela. Então foram para o lado materno, a mãe da minha mãe chamava Catharina, mas também não gostava do nome, tanto que sempre preferiu ser chamada pelo apelido: Catina.

O nome da minha mãe é Maria Leonilda, esse eles nem cogitaram em colocar. É a junção do nome das minhas bisavós. Deu para sentir a criatividade do povo.

Meu irmão do meio interferiu, queria que meu nome começasse com a letra A, assim ficaria de par com ele. Coisa de gente chique. Os dois mais velhos começam com a letra S (Synval e Sônia) e eu (Ana) e o Agoncillo com A. Somos uma SA, pelo menos na inicial dos nomes.

Não sei quem sugeriu Ana, mas sou eterna grata.

Só Ana era muito pouco, tinham que colocar um segundo nome. Não sei porque eles esqueceram do Maria. Foram buscar novamente na inspiração deles: no nome dos ancestrais.
O primeiro foi Ana Rita. Nome da mãe da mãe do meu pai, resumindo, minha bisavó, mas minha mãe não quis, ela dizia que Santa Rita sofreu muito e por isso toda Rita sofre. 

Depois foram para o lado da minha mãe. Pegaram o nome da bisavó da minha mãe e juntaram com o Ana e ficou: Ana Beatriz, aí quem não quis foi minha irmã, pois a vizinha da frente chamava justamente Ana Beatriz.

Meu maior medo era eles irem buscar inspiração no cemitério, no túmulo dos parentes. Aí eu não teria salvação, nem sendo batizada, é um nome mais diferente que o outro: Felisberta, Epiphania, Blandina, Eponina, Aldegonda... 

Mas, alguma alma boa, deu a sugestão de colocar Ana Paula que significa "pequena cheia de graça", e eu sou apaixonada pelo meu nome.

Mas a história não para aí. Deu para perceber que não servimos para trabalhar em cartório de registro civil, pois a cidade a qual teríamos que prestar serviço iria entrar para o Livro dos Recordes por causa dos nomes absurdos que os registros iriam ter: seria um chuva de Epaminondas, Felisberto, Agoncillo, Epiphania, Eponina, Aldegonda, Blandina... Iria parecer mais uma farmácia com nomes de remédio que um cartório de registro.

Voltando ao "causo".

Meu sobrinho Agoncillinho tinha nascido, meu irmão estava indo ao cartório registrar o menino. Já tinha escolhido o nome. Iria repetir seu nome. Tradição é tradição. Eu e minha mãe fomos junto. Por coincidência, nós somos madrinhas dele, minha mãe de batismo e eu de crisma.

Não podíamos fazer nada de errado. O nome já estava escolhido. Nós só seríamos testemunhas.

Montamos no Voyage, e descemos para o cartório de registro civil que ficava em um prédio antigo perto da estação ferroviária. 

Quando chegamos tinha um casal registrando o filho. O cartorário disse que eles teriam que saber como escrevia aquele nome corretamente senão não iria lavrar o registro do filho deles.

Era um casal simples. Queriam colocar Johny no filho, mas não sabiam se o h vinha antes do n ou ao contrário, se era com y ou com i... enfim não sabiam a grafia certa de tal vocábulo estrangeiro.

Minha didática mãe foi professora primária muitas décadas, se aposentou até com o sexto adicional, escutando aquilo, resolveu ajudar o casal.

Lembrou como seria difícil ensinar ao menino escrever o nome americanizado, e sugeriu uma versão tupiniquim de Johny: DIONE. 

O casal achou o som igual e perguntou o que eu achava. Eu não tinha que achar nada, não havia perdido nada, mas pensei DIONE para JOHNY tem diferença, vou sugerir um nome mais comum, bem brasileiro e dei meu palpite: por que vocês não colocam ROBERTO?

Não sei da onde eu tirei o Roberto, mas foi o nome mais normal que veio na minha cabeça na hora. 

Conclusão: o menino ficou com o nome de DIONE ROBERTO.

Então, você, Dione Roberto se um dia ler esse texto saiba que foi eu e minha mãe que, carinhosamente, escolhemos seu nome, e que poderia ter sido algo pior, tipo Aldegondo Epiphanio.

Eu dou graças a Deus todos os dias, já pensou se eles tivessem resolvido tirar o Ana e colocar Aldegonda para combinar com o A de Agoncillo, iria ficar: Synval, Sônia, Agoncillo e Aldegonda... e eu teria ficado órfã no dia do meu batizado, pois iria afogar meus pais na pia batismal por colocar o nome de Aldegonda em mim.

Hoje o texto vai para o Dione Roberto, que eu nunca mais vi, acredito que deva ter mudado o nome.

Bjs

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