Vó Marianna

VÓ MARIANA

4:44. É esse o horário que o relógio digital está marcando.
Um perfume de talco me acorda, um cheiro que me traz uma sensação boa. Minha memória olfativa busca uma lembrança. 
Que cheiro é esse que consegue acalmar minha alma? Bem eu que sou sensível a cheiro, fragrâncias me dão dor de cabeça a ponto de vomitar, mas esse cheiro não.

Acendo a luz e não tem nada nem ninguém no quarto, olho no relógio e ele está marcando 4:44. 

O cheiro some.

Tento puxar na memória meu último sonho, o qual estava sonhando ao sentir o perfume. Vagamente, como um flash, vem à minha memória uma unha, uma unha metade preta e junto dela o perfume de talco. 

Mal lembro de você enquanto estou acordada. A sua imagem em minha memória são de fotos. Por que iria sonhar com sua unha, se sua feição se apagou da minha mente?

Eu era pequena quando você morreu e desde do seu velório eu nunca sonhei com você. 
Na noite do seu enterro fiquei acordada, eu via você na porta do banheiro. Estava impressionada. Nunca tinha visto um defunto. Nunca tinha ido a um velório. Nessa noite fui para o quarto dos meus pais. Com medo. E você estava ali, na porta do banheiro. Minha mãe foi dormir no meu quarto, na minha cama e me deixou ali, com você e meu pai, que passou a noite toda acordado, sentado na beira da cama, não sei se vigiando meu sono ou se esperando você aparecer na porta do banheiro, mas cada vez que ele se mexia eu acordava e via você na porta do banheiro. E depois disso nunca mais nem sonhei com você. Até suas lembranças físicas se apagaram da minha mente.

Olhei de novo no relógio. 5:00 da manhã. Achei melhor tentar voltar a dormir. Tinha sido só um sonho. Virei de lado, apaguei a luz, fechei os olhos e tentei dormir... mas o perfume de talco voltou. Acendi a luz rapidamente para ver se via você. E nada.

Levantei. Fui até a cozinha beber água, na volta passei pelo corredor dos quartos, onde tenho uma parede de fotos. Reparei que não tinha nenhuma foto sua. E também notei que não se vê as unhas das pessoas nas fotos, menos ainda um detalhes de uma unha preta.

Percebi que aquela lembrança não era de uma foto, mas algo que estava dentro da minha memória. 

Que bobeira, pensei eu. Tenho que voltar a dormir porque amanhã, mesmo sendo sábado, será um dia tenso. Tenso? Notei que a tensão que me afligia havia se dissipado. Eu sabia o que tinha de fazer. Eu sabia o que tinha de falar. Minha segurança havia voltado. A segurança que sempre foi sua marca registrada.

Deitei aliviada.

Não sei se foi sonho, não sei se você esteve ao meu lado essa noite, só sei que apenas lembrar de você já me trouxe a segurança necessária e uma grande paz de espírito. Obrigada.

O texto de hoje vai pra minha avó Marianna Senna Caldeira, com seu perfume de talco inconfundível e sua unha metade preta.

Bjs.

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