"Zelito, vc não sabe onde Ana Paula me levou hoje!" Foi a fala da minha elegante mãe antes do jantar, enquanto meu pai lia o jornal O Estado de S. Paulo.
Pelo tamanho da indignação, meu pai logo suspeitou que era uma dessas lojas populares de centro de cidade que eu adoro fazer compras e, sem abaixar o folhetim diário, arriscou um palpite, deve ter sido nas Casas Pernambucanas.
Eu adoro ir nas Pernambucanas para comprar roupa, acho tudo baratinho e de boa qualidade, pode colocar na máquina de lavar roupa sem medo. É igual sandálias Havaianas: não desbotada, não encolhe e não solta as tiras, mas o que mais gosto de fazer nas Pernambucanas e ver o povo disfarçando quando compra roupa, parece que estão cometendo um crime.
A pessoa pega uma camiseta, olha para os lados para ver se não tem nenhum conhecido, se tiver, diz que está levando pra empregada e vai correndo pra sessão de decoração.
A criatura não tem condição nem de pagar faxineira uma vez por semana e tem vergonha de usar roupa das Pernambucanas, que é feita do mesmo tecido de qualquer outra roupa.
Nada contra roupa de marca, ou roupa de boutique, se a pessoa tem condição, cada um gasta seu dinheiro como achar melhor. O que acho engraçado é pessoas terem vergonha de ser o que são, só isso.
Mas não foi nas Pernambucanas que levei minha aristocrática mãe.
Meu pai arriscou outro palpite: deve ser na loja em frente às Pernambucanas. A tal das Lojas Marianas, que agora chama Chofi, ou algo assim, que é um verdadeiro oasis do Brás em Bebedouro.
Tem gente que não acredita, mas eu compro muita coisa lá e uso em lugar chique. Chique mesmo. Porque se é uma coisa que gosto é gastar meu dinheiro viajando e quando viajo faço questão de ir aos melhores restaurantes, não sei quando vou voltar ao lugar e se vou voltar, mas vou ser bem sincera, pra mim comida boa é boa em qualquer lugar e não depende de preço.
Mas também não tinha sido na loja em frente às Pernambucanas.
Meu pai começou a sentir um misto de preocupação e curiosidade, tanto que até parou de ler o Jornal, para saber onde eu tinha levado minha mãe que se encontrava aterrorizada e suando ás bicas
Sabia que não a tinha levado em nenhum velório, pois quando minha mãe chega de um, ela entra no chuveiro de roupa e tudo.
Ficou pensando.
Lembrou de quando fui fazer arquitetura no Mackenzie em São Paulo. Nessa época minha aristocrática mãe passou por momentos não tão glamourosos ao meu lado.
Primeiro que eu ainda não dirigia quando fui estudar em São Paulo e por isso não tinha carro e era a principal negociação do meu pai, para não falar chantagem, sempre ele me propunha que se eu viesse fazer faculdade em alguma cidade do interior ele me daria um carro.
Meu pai não gostava de São Paulo, dizia que todo mundo que ia pra São Paulo morria, por causa do irmão dele que faleceu em virtude de um acidente em São Paulo, mas eu não voltei. Juntei meu dinheirinho e comprei um Uno zero, com todas as minhas economias juntadas centavo a centavo em poupança.
Então antes de ter o Negão, meu Uno verde escuro, eu andava de transporte público em São Paulo, pois é bem mais rápido, seguro e barato que um táxi. E, claro, minha elegante mãe ia junto, cheirando o suvaco do povo que erguia seus braços para se segurarem nos ônibus ou nos metrôs paulistanos.
Era comum andarmos toda São Paulo de ônibus, tanto que minha mãe até se acostumou e aprendeu a se locomover pela metrópole paulista. Se ela saísse e se perdesse, era só ir a um ponto de ônibus e subir em qualquer um que tivesse escrito na placa lateral "Consolação", pois da rua da Consolação até o apartamento ela sabia chegar sozinha. Ou então pegar um ônibus que parasse em algum metrô, que também ela conseguia chegar em casa sã e salva.
Ele percebeu que nesse dia eu não tinha levado minha suntuosa mãe para dar um passeio de circular em Bebedouro, pois havia saído com meu carro.
Tentou arriscar mais um palpite. Asilo. "Ana Paula quis te deixar em algum asilo, Nena?"
"Também não, foi pior", ela respondeu.
Pior que asilo!
Mas nesse dia eu não levei minha arrumada mãe ao asilo. Como ela disse foi pior, pelo menos pra ela.
Eu tinha resolvido que iria morar sozinha. Desmamar. Sair da casa dos pais. Virar adulta, mas pra virar adulta tem que cortar o cordão umbilical financeiro e de nada adiantaria sair de casa se meus pais tivessem que bancar meus gastos.
Olhei minhas poupanças: não dava para comprar um terreno, que dirá uma casa.
Pesquisei na internet e descobri que a Caixa Econômica Federal havia aberto o financiamento habitacional "Minha casa, minha vida", e resolvi ir até a Caixa fazer um.
Minha suntuosa mãe adora pegar uma carona. Eu falo que vou sair e ela sempre pede para passar com ela em um lugar antes, tipo: você fala que vai à padaria, ela pergunta se pode ir junto e pede para passar no sapateiro.
Esse dia não foi diferente. Disse que ia ao banco, no centro e ela, bem depressa, perguntou se podia ir junto, enquanto eu ia em um banco ela iria passar o cartão de crédito dela em algum lugar e depois mandar a conta para o meu pai pagar.
Parei na praça, em frente à Caixa Econômica Federal. Desci do carro. Entrei na Caixa e minha glamurosa mãe atrás.
Acho que ela nunca tinha entrado na Caixa.
Perguntei para o guarda onde era o setor habitacional, ele disse para subir as escadas que a reunião iria começar.
Reunião. Isso mesmo. Antigamente para fazer um financiamento habitacional tinha que assistir uma reunião no segundo andar da Caixa Econômica Federal no horário de expediente.
Por ser alta eu gosto de sentar no fundo. Escolhi uma cadeira e sentei. Minha mãe já estava agindo por inércia. Perplexa. Pensou que eu estivesse fazendo alguma brincadeira. Mas o negócio era sério.
Chegou o funcionário da Caixa para ministrar a palestra e minha chique mãe achou deselegante se levantar na frente do palestrante. Iria parecer pouco caso. E teve que assistir toda palestra.
Nem o homem entendia o que aquelas duas pessoas bem vestidas e bem alimentadas estavam fazendo ali. Chegou próximo de nós e disse que ali seria ministrada a palestra para financiamento habitacional para pessoas de baixa renda. Respondi que sabia e que estava ali por isso.
Minha mãe queria dizer para o homem que tínhamos sentado por engano, ou que era um brincadeira minha para pirraça-la, mas percebeu que eu estava falando sério, bem sério.
Minha mãe quando fica nervosa começa a suar, aquele dia dava para ela acabar com a seca do deserto do Saara. Ela adora cumprimentar as pessoas, mas naquele lugar, cada conhecido que entrava era um transtorno, ela fingia que não via, que não conhecia, se desse para dizer que não era ela, com certeza, ela diria.
A palestra durou uma hora. O funcionário da Caixa, a cada frase que falava, ele ressaltava que o bendito financiamento habitacional era para pessoas de baixa renda e olhava para nós duas que, orgulhosamente, ostentávamoa bolsas Victor Hugo originais.
E minha mãe suava.
Acabou a palestra. O funcionário distribuiu um papel onde constavam as cláusulas do financiamento e quem podia faze-lo. Li o tal papel.
E minha mãe suando.
Acabei de ler e disse que iria fazer o tal financiamento, que me enquadrava no perfil.
Foi a facada final na minha elegante mãe. Ela não se conteve e, sem alterar o tom de voz, mas suando igual chaleira (nem sei se chaleira sua), disse: "Ana Paula, você não pode fazer esse financiamento, você tem fazenda em seu nome."
O funciona da Caixa me olhou. As pessoas que estavam vendo o financiamento me olharam. Acho que até a rainha Elizabeth da Inglaterra me olhou com olhar de reprovação.
O funcionário se dirigiu a mim e disse, que se eu tivesse propriedade em meu nome, eu não poderia fazer o bendito financiamento habitacional.
Olhei para o funcionário e disse que eu poderia fazer sim. Abri o contrato e mostrei a cláusula onde estava que não podia fazer o financiamento quem tivesse imóvel urbano. Eu não tinha imóvel urbano, eu tinha imóvel rural e com isso eu financiei minha casa, ostentando durante toda construção uma placa com a seguinte frase: "obra financiada pela CAIXA".
E assim eu fiz minha casinha e mesmo passando todo o sufoco de ficar uma hora passando vergonha por causa da palestra, minha simpática mãe não aprendeu a não me pedir carona, pois nunca se sabe aonde eu vou estacionar.
Bjs
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