"Naquela mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim... De sua filha me tornei sua fã."
Agora senta que lá vem história.
Eu era bem novinha, devia ter uns 12 anos. Estava esperando você ir me buscar no clube de campo do Bebedouro Clube, sentada na mureta.
Isso era meio raro de acontecer. Eu nunca tive paciência, sempre fui independente, então, muitas vezes eu subia de circular. Pegava o busão no ponto do muro da Escola José Francisco Paschoal e descia no ponto da Avenida Raul Furquim, na esquina de cima da minha casa.
Nessa época eu ainda morava na Rua São João.
Eu nunca dei muita importância do que iriam falar, tem gente que tem vergonha de andar de circular. Eu estava pouco me importando. Sabia quem eu era. E isso aprendi com você. Você sempre falava: "não importa aonde você vai, com quem vai ou como vai. Importa o que você faz" e eu nunca vi nada de errado montar em um circular em vez de subir a pé para casa ou ficar esperando alguém ir me buscar no clube.
Nessa época ainda não existia celular. Tinha que ligar do orelhão. Eu não gastava meu dinheiro comprando ficha telefônica. Ligava sempre a cobrar. Era só colocar o 9 na frente do DDD e depois discar o número desejado. Esperar a atendente dizer: "diga seu nome e a cidade de onde está falando." E pronto, alguém vinha me buscar. Mas as vezes demorava e eu chegava mais rápido de circular. E lá ia eu de viação Santo Antônio.
Mas nesse dia eu resolvi ligar a cobrar e esperar alguém ir me buscar.
Até hoje não sei o porquê fiz isso, mas foi nesse dia uma das lições mais importantes que me deu na vida.
Liguei a cobrar, depois de dizer meu nome e a cidade de onde estava falando, pedi para alguém ir me buscar no Clube. Sentei na mureta em frente à portaria e fiquei esperando. Logo sentou um moço ao meu lado, ele devia ter uns 18 anos. Sabia meu nome. Falou que era amigo do meu irmão do meio e começou puxar assunto... até que segurou em minha mão e me pediu em namoro. Foi bem na hora que você chegou de empadão.
Empadão era o apelido do Corcel II dourado que meu pai tinha.
Voltemos.
Dei tchau pro moço e subi no carro.
Eu estava super eufórica: um moço de 18 anos pedindo uma pirralha de 12 em namoro é a glória.
Em cidade do interior é comum você conhecer a pessoa e perguntar de quem é filho? A qual família pertence? Onde mora? Etc...
Nos minutos que conversei com o moço, esse foi o assunto: um questionário, parecia que eu estava abrindo um crediário das Casas Bahia para o rapaz. Afinal ele sabia meu nome e de quem eu era irmã, portanto eu tinha o direito de saber quem era meu pretenso candidato a namorado.
Mal entrei no carro, abanei a mão dando um tchau para o moço e comecei contar pra você quem era o fulano que acabara de me pedir em namoro.
"O fulano é filho de Sicrano, mora em tal lugar, o vô dele é da tal família... "
Você esperou eu passar toda ficha do fulano com aquela paciência de mineiro que só você tinha... Ficou um tempo em silêncio. E começou o discurso, como sempre começava: minha filha... (Que saudades de escutar esse "minha filha").
Você explicou que sabia quem era o rapaz. Disse todos os defeitos do moço (e o moço tinha muitos defeitos).
Achei que fosse ficar bravo, mas não. Depois de passar a "capivara" do fulano disse: eu casei com uma mulher bonita, de boa família, direita, trabalhadeira (minha mãe era professora), que me deu filhos bonitos (pelo menos meu pai achava os 4 filhos bonitos); quando precisei, ela e a família dela me ajudaram; sempre me apoio, eu podia ir trabalhar em fazendas longe que ela sempre deu conta de cuidar de vocês, nunca me envergonhou, nunca me desonrou, sempre me respeitou... por isso estou casado há muitos anos com sua mãe".
Parou o Corcel II na garagem de casa e antes de descer, me olhou e terminou o discurso: "já lhe expliquei o porquê o fulano não está a sua altura, mas é você quem escolhe, afinal é você que vai casar com ele, não eu ". Desceu do carro e entrou em casa.
Ele não ficou bravo. Não se alterou. Não me deixou de castigo. Apenas me fez raciocinar.
Nesse dia eu entendi que toda escolha traz uma consequência boa ou ruim e que minha vida dependeria das minhas escolhas.
Escolhas ruins trazem sofrimento. E eu não gosto de sofrer.
E o moço? Eu nunca dei a resposta, mas seria não se tivesse que responder.
Bjs
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