Tia Elzy

TIA ELZY

Senta que lá vem história.

Eu sempre falo da minha família, falar da família dos outros é fazer fofoca, falar da sua própria família é contar história.

20 de maio de 1923. Minha avó Marianna tinha ido a uma venda de secos e molhados e algo caiu em cima dela. Estava grávida de 7 meses. A bolsa estourou. 

Se hoje para uma criança prematura sobreviver é complicado mesmo com incubadoras e todo aparato médico e farmacológico existente, imagina na década de 1920, pós primeira guerra e a pandemia de gripe espanhola. Era quase impossível.

A medicina era precária. Os partos eram feitos por mulheres leigas chamadas de parteiras. Em Bebedouro existia uma famosa chamada Dona Leonilda, minha mãe conta que foi a primeira mulher que ela viu dirigindo um automóvel.

Essas senhoras saiam no meio da noite com sua tesouras para cortar o cordão umbilical que une mãe e filho durante a gestação.

Nesse dia não foi diferente.

Foram buscar a parteira. A bolsa tinha estourado. Era necessário fazer o parto, mesmo o feto estando prematuro.

A criança nasceu morta. Era uma menina: Maria José. 

Mas para a surpresa de todos, a gravidez era gemelar. Havia outro bebê. Outra menina. Bem menor que a primeira. Nascera com vida mesmo prematura, mas ainda corria risco de morte.

A menina começou a ficar fria. Perdendo a vida. Para aquecer seu pequeno corpinho e manter sua temperatura, esquentaram tijolos no fogão à lenha e colocaram em sua volta. Era a incubadora da época.

A menina começou a ficar com as pontas das unhas da mão arroxeadas. Os tijolos quentes não estavam resolvendo o problema.

Minha bisavó Rita teve uma idéia.

Vó Rita ou Dona Ritinha como todos a conheciam. Era uma doceira de mão cheia. Ela era mãe da mãe do meu pai, ou seja, minha bisavó.

Rita de Almeida Senna, ficou viúva nova de um comerciante de Cravinhos de nome José Bernardino Senna, que tinha um armazém de secos e molhados.

O armazém de secos e molhados do meu bisavô quando ele morreu, ela contava que pessoas de "boas intenções" que foram ajudar uma pobre viúva com dois filhos pequenos e a fizeram perder o negócio, por isso o ditado: que o inferno está cheio de boas intenções.

Não sabemos mais nada sobre a família do meu bisavô, minha bisavó após ficar viúva e com dois filhos para criar, minha avó com dois anos e meu tio avô com meses, veio para Bebedouro ficar próximo à família dela que era de Monte Azul Paulista.

Uma mulher determinada e com alma doce que criou dois filhos sozinha, fazendo doces para fora. Tio Zé chegou a ser gerente de banco e minha avó casou com o filho do Coronel, em uma época em que castas não se misturavam.

Para criar os filhos ela fazia doce para vender e sempre que alguém pedia uma receita ela dava faltando um ingrediente, assim ninguém faria os doces iguais aos dela. E a Coca-Cola faz isso até hoje, pois ninguém sabe a receita secreta do xarope de tal refrigerante conhecido mundialmente, isso só vem a demonstrar que o segredo é a alma do negócio e não a propaganda como muitos pensam.

Voltemos.

A menina continuava fria e suas mãozinhas mais arroxeadas. Minha bisavó achou que sua primeira neta não iria sobreviver, então resolveu arriscar.

Se a menina viesse a óbito, ela não contaria o que iria fazer. Seria seu segredo.

Foi até a cozinha. Abriu o armário. Pegou uma garrafa. Um dos ingredientes secretos de seus doces. Abriu a gaveta dos talheres, pegou uma colher bem pequena, dessas de mexer café. Colocou o ingrediente secreto na colher e deu à menina.

O efeito foi imediato. As maçãs do rosto da criança começaram a ganhar cor. Sua temperatura começou a subir.

Podia ser apenas algo momentâneo. A temperatura da menina podia baixar novamente, mas não foi o que aconteceu. A menina reagiu graças ao ingrediente secreto da minha bisavó Rita.

Minha bisavó deu para minha tia Elzy vinho do porto, que era um dos ingredientes secretos de seus doces. Acredito, que nunca nenhum profissional da saúde iria receitar tal bebida a uma criança recém nascida, ainda mais sendo prematura, mas como toda boa cozinheira é uma alquimista disfarçada, com minha bisavó doceira não seria diferente, fez licor virar remédio. Fez morte mudar para vida.

Mas receitar bebida alcoólica como remédio não era novidade, pois dizem que a nossa caipirinha surgiu para combater a gripe espanhola, agora só resta esperar um coquetel pra Covid-19. ;)

O texto é em memória da minha bisavó Rita.

Bjs

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